Nova lei sobre dinheiro esquecido gera comparações enganosas com confisco de Collor
- Reinaldo Stachiw
- 19 de set. de 2024
- 4 min de leitura
A aprovação da Lei 14.973/2024 pelo Congresso em setembro causou polêmica nas redes sociais, com comparações equivocadas ao confisco de poupança feito pelo ex-presidente Collor em 1990. A nova legislação permite ao governo recolher valores esquecidos em contas bancárias após um prazo de 30 dias sem reivindicação pelos titulares, mas é limitada a contas inativas.
Especialistas explicam que a lei, diferente do confisco de Collor, não bloqueia poupanças e segue um processo aprovado pelo Congresso. O professor Daniel Capecchi destaca que a medida não viola a Emenda Constitucional Nº 32, que impede confisco via medida provisória.

Em 12 de setembro de 2024, o Congresso aprovou o PL 1.847/2024 que, dentre outras medidas, permite que o governo recolha recursos esquecidos em contas bancárias. Desde então, publicações nas redes sociais com mais de 11 mil interações equiparam a proposta ao confisco das cadernetas de poupança feito pelo ex-presidente Fernando Collor em 1990. A comparação, porém, é enganosa, já que a medida prevê o uso de valores não reivindicados pelos cidadãos dentro de prazos pré-estabelecidos, diferentemente da medida dos anos 90.
“Presidente Collor Confiscou a Poupança dos Brasileiros. LULA esta Confiscando a Conta Corrente e Poupança dos Brasileiros que NÃO movimentam suas contas”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook. O conteúdo é acompanhado de uma foto em preto e branco do ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992) ao lado de um registro colorido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A imagem traz também a mensagem: “Se lembram do Collor? Este é o Collor agora. Já se sentem velho?”.
Os conteúdos fazem referência ao PL 1.847/2024, um projeto de lei que prevê a reoneração gradual de 17 setores da economia. Paralelamente ao tema, porém, a medida também prevê que o governo poderá se apropriar de saldos bancários ditos “esquecidos”.
Segundo o Banco Central (BC), são considerados esquecidos valores provenientes de: contas-correntes ou poupanças encerradas e não sacadas; cobranças indevidas de tarifas ou de parcelas de crédito cobradas pelos bancos; cotas de capital e rateio de sobras líquidas de associados de cooperativas de crédito; e grupos de consórcio extintos que não foram procurados pelos donos.
Para saber se possui algum dinheiro esquecido, o cidadão deve utilizar o Sistema de Valores a Receber (SVR), do próprio BC. Por meio do serviço, é possível saber se uma pessoa física — incluindo pessoas falecidas — ou uma empresa possui algum valor a ser reivindicado em bancos, consórcios ou outras instituições financeiras.
No PL 1.847/2024, o tema referente ao “dinheiro esquecido” foi incluído durante a tramitação do projeto no Senado, por meio de um substitutivo proposto pelo senador Jaques Wagner (PT-BA), relator da proposta.
O texto final do PL 1.847/2024, que inclui o trecho relativo ao uso do dinheiro esquecido pelo governo, foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 12 de setembro, e foi sancionado por Lula no dia 17 do mesmo mês. Dessa forma, o PL 1.847/2024 foi convertido na Lei 14.973, de 2024.
O que prevê a Lei 14.973 de 2024?
A nova lei difere do confisco das cadernetas de poupança de 1990, já que refere-se somente a depósitos em contas sem movimentação — diferentemente do que ocorreu no governo Collor.
Além disso, a lei prevê um prazo de 30 dias desde sua publicação para que os donos dos valores esquecidos reivindiquem o dinheiro junto às respectivas instituições bancárias. Após esse período, os saldos que não tiverem sido reclamados passarão para o domínio da União e poderão ser usados para cumprir a meta fiscal do governo.
O que prevê a Lei 14.973 de 2024?
A nova lei difere do confisco das cadernetas de poupança de 1990, já que refere-se somente a depósitos em contas sem movimentação — diferentemente do que ocorreu no governo Collor.
Além disso, a lei prevê um prazo de 30 dias desde sua publicação para que os donos dos valores esquecidos reivindiquem o dinheiro junto às respectivas instituições bancárias. Após esse período, os saldos que não tiverem sido reclamados passarão para o domínio da União e poderão ser usados para cumprir a meta fiscal do governo.
O novo plano econômico criou uma nova moeda, chamada cruzeiros, e determinou que cada conta bancária somente poderia dispor de, no máximo, 50 mil cruzeiros (o que equivale a cerca de R$ 13 mil, corrigido pelo IPCA). Todo valor excedente foi remetido ao Banco Central, em contas bancárias sob titularidade de cada cidadão. Esses valores seriam devolvidos pelo governo às pessoas físicas ou empresas em 12 parcelas.
Em 30 de julho de 1991, o governo começou a devolver o dinheiro confiscado, como previsto (1, 2). No entanto, até 2024 existem disputas judiciais para reaver os valores retidos.
Em 2001, foi aprovada a Emenda Constitucional N° 32, que proíbe que o presidente da República crie medidas provisórias visando a “detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro”.
Possível precedente?
Algumas mensagens compartilhadas em redes sociais também garantem que a lei abriria um precedente para o confisco das poupanças bancárias dos cidadãos, como ocorreu à época de Collor.
Para Daniel Capecchi, professor de Direito Constitucional e Administrativo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), essa alegação não se sustenta.
“O Projeto de Lei prevê um prazo de 30 dias, após a entrada em vigência da lei, para direcionar os recursos ao Tesouro Nacional. Transcorrido esse primeiro prazo, ainda há um período de mais 30 dias para questionamento por parte dos detentores dos recursos. Não parece haver comparação com o que ocorreu no governo Collor com a implementação do Plano Brasil Novo, que bloqueou dinheiro de cadernetas de poupanças”, resumiu.
Ainda segundo o docente, a nova lei não entra em conflito com a Emenda Constitucional N° 32, por ser uma medida aprovada pelo Congresso Nacional. “A Emenda 32 cria restrições à edição de medidas provisórias. (...) No caso em discussão, entretanto, trata-se de um projeto de lei (Projeto de Lei 1.847/2024). Leis e medidas provisórias são duas espécies normativas distintas, com regulações próprias. Portanto, não há qualquer relação entre a Emenda Constitucional 32 e suas vedações e o caso em discussão”.
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