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Entenda por que Trump quer investigar o Pix

247 - O Pix entrou no centro de uma nova tensão comercial entre o Brasil e os Estados Unidos. A abertura de uma investigação oficial pelo governo de Donald Trump, na última terça-feira (15), inclui críticas ao Pix e sinaliza que o sucesso da ferramenta brasileira incomodou Washington.

O jornalista André Catto, do G1, ouviu especialistas e analisou documentos do Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR). Embora o nome do Pix não tenha sido citado diretamente, o documento menciona “serviços de pagamento eletrônico oferecidos pelo governo”, o que, segundo os analistas, refere-se inequivocamente ao sistema do Banco Central do Brasil.


“O Brasil parece se envolver em uma série de práticas desleais em relação a serviços de pagamento eletrônico, incluindo, mas não se limitando a favorecer seus serviços de pagamento eletrônico desenvolvidos pelo governo”, afirmou o USTR no relatório da investigação.


Pressão das gigantes americanas


Para Jorge Ferreira dos Santos Filho, economista e professor da ESPM, há um claro incômodo entre as empresas de tecnologia dos EUA com o avanço do Pix. “O sistema também compete com fintechs americanas. Enquanto nos EUA a regulação permite a cobrança por transferências instantâneas, no Brasil essas empresas são obrigadas a integrar o Pix para operar”, explicou.


O professor afirma que o custo zero para pessoas físicas e o baixo custo para empresas colocam o Pix em forte concorrência com bandeiras como Visa e Mastercard, além de afetar modelos de negócio das big techs. “Isso reduz as margens de lucro e força adaptações”, avalia.


Apesar da ofensiva americana, Ralf Germer, CEO da PagBrasil, discorda da tese de que o Pix prejudica os EUA. “O Pix não foi criado para concorrer com outros meios de pagamento. Os cartões de crédito continuaram crescendo e houve tempo suficiente para adaptação”, afirmou. Segundo ele, o sistema promove “concorrência saudável”.


PIX internacional e o temor sobre o dólar


Outro ponto que gera desconforto em Washington é o projeto do Pix Internacional, que permitirá transações entre países. A proposta está em fase inicial e já funciona de forma limitada em cidades como Miami, Lisboa e Buenos Aires.



Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora, afirma que o potencial uso do Pix em operações entre países do Brics — grupo que inclui Brasil, China, Rússia, Índia, entre outros — pode ameaçar a hegemonia do dólar no comércio internacional. “Esse pode ser o ponto que mais incomoda o governo americano: a criação de uma moeda única do Brics e o possível uso do sistema Pix para reduzir a influência do dólar”, afirmou.


Trump já se manifestou diversas vezes contra iniciativas que busquem alternativas ao dólar. Recentemente, ameaçou impor tarifas de 10% aos países do Brics, ampliando a tensão comercial e geopolítica.


Modelo de sucesso


Para Pedro Henrique Ramos, diretor do RegLab, o Pix representa um exemplo de sucesso da inovação estatal. “Quando o regulador também opera o sistema, como o Banco Central, é natural que haja pressão internacional em cenário de concorrência”, analisou.


Ele considera o Pix uma “vitrine” para o Brasil, destacando que sua eficiência atrai atenção internacional. Em 2024, o sistema movimentou mais de R$ 26,4 trilhões. “É um modelo que influencia padrões e confere ao Brasil peso para negociar no comércio global”, disse Ramos.


Práticas americanas semelhantes


Ramos lembra que os EUA já usaram justificativas semelhantes para aplicar tarifas contra países como Indonésia, China e Índia, citando “práticas desleais” contra empresas como Visa e Mastercard. “É um atrito geopolítico entre interesses comerciais e o direito de os países desenvolverem suas próprias infraestruturas digitais”, resumiu.


Ele compara o Pix a sistemas como o Zelle, criado por bancos nos EUA, e ao FedNow, do Federal Reserve. Ambos, porém, têm adesão limitada e não atingiram a popularidade do sistema brasileiro.


Conflito com as big techs


A ofensiva dos EUA também reflete insatisfações de empresas como Google e Meta com exigências legais no Brasil. Em especial, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que responsabilizam as plataformas por conteúdos postados por usuários — como discursos de ódio e fake news — causaram reações negativas.


Lia Valls, pesquisadora da FGV e professora da UERJ, avalia que essas tensões ajudam a compor o pano de fundo da investigação americana. “O embate com o STF e as restrições ao funcionamento de sistemas próprios das big techs contribuem para a insatisfação do governo Trump”, disse.


O caso do WhatsApp é emblemático. Em 2020, antes do lançamento do Pix, o Banco Central suspendeu a função de pagamentos no app por entender que as operadoras Visa e Mastercard precisavam de autorização para atuar no Sistema de Pagamentos Brasileiro. Em 2023, o WhatsApp voltou a operar pagamentos com cartão, mas suspendeu parte do serviço no fim do ano — priorizando o Pix.


Reação do governo brasileiro


O vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, classificou as tarifas impostas ao Brasil como uma política de “perde-perde”, que prejudica ambos os lados. Ele defende o diálogo e destacou o papel de empresas brasileiras e americanas para superar o impasse.


“O PIX é um modelo, é um sucesso”, afirmou Alckmin, ao rebater os questionamentos incluídos na investigação americana. O ministro também mencionou a liderança brasileira na redução do desmatamento e na promoção de uma matriz energética sustentável como contraponto às acusações.

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